sexta-feira, 8 de abril de 2016

Cap. I - Origens e Atividades de Formação

ATIVIDADES DE FORMAÇÃO


Neste primeiro capítulo, dedicado às minhas atividades de formação, faço uma viagem no tempo e espaço – geográfico e sociocultural – percorrendo os caminhos traçados desde o ensino fundamental, realizado em São Paulo, até os estágios pós-doutorais no Institute of Development Studies-IDS, na Inglaterra. Tomo a liberdade de iniciar com o meu ‘início’, discorrendo sobre minhas origens familiares e formação pré-universitária, de sorte a melhor contextualizar minha situação social em termos de origem de classe e como tal situação irá se transformar com minhas mudanças de país ao longo do tempo.
Creio ser importante também fazer essa volta no tempo, já que sou parte da geração dos chamados ‘anos rebeldes’, a geração que viveu toda sua juventude sob os difíceis anos da ditadura militar no país. Como se verá adiante, mesmo que não tenha sofrido diretamente na pele os efeitos mais danosos desse regime, trago a sua marca na minha trajetória de vida, por ter sido levada a ir viver no exterior. Espero tornar-se evidente aqui, também, que as desigualdades de gênero sofridas por eu ser mulher vivendo em sociedades patriarcais foram amenizadas em parte pelos privilégios de classe dos quais usufruí no Brasil. No exterior, sofri um ‘downgrade’ em relação à classe, mas o fato de ter pele clara em um mundo racista, mesmo sendo vista como ‘latina’, ou seja, não branca, operou como marcador no sentido de me tornar ‘menos’ vulnerável ao racismo. Tudo isso demarcou minhas experiências de vida e formação nos diferentes contextos em que fui construindo minha identidade e minha consciência de ser e estar no mundo. 
Dar essa volta maior ao delinear os caminhos traçados nas minhas atividades de formação será também uma forma de preencher as muitas lacunas dessa trajetória, tão evidentes para quem apenas se debruça sobre meu ‘currículo Lattes’. É um grande prazer poder, finalmente, situar minha trajetória acadêmica dentro desse contexto muito mais amplo que é minha história de vida!

1.1 Origens e Formação Pré-Universitária

Minha história se inicia na Pró-matre Paulista, na cidade de São Paulo, precisamente às 06 horas da manhã do dia 12 de junho de 1948, quando, adiantando-me quase dois meses no termo normal de uma gravidez, nasci. Naquela manhã fria de junho, o jornal Folha da Manhã anunciava haver cessado “a luta em todas as frentes da Palestina” (com várias acusações de violação de trégua) e ressaltava a “importância de um acordo final com a União Soviética”, tanto da parte da França e Inglaterra, quanto dos Estados Unidos.[1]
No Brasil, porém, vivia-se um intervalo democrático sob o governo do Presidente Eurico Gaspar Dutra, eleito em 1946 para suceder Getúlio Vargas, depois de mais de uma década de ditadura.  Mesmo assim, o processo democrático ainda engatinhava por aqui, vez que nosso direito à cidadania mostrava-se ainda bastante frágil, sobretudo para nós, mulheres: já havíamos conquistado o direito ao voto e à educação superior, mas ainda nos educavam “para o lar”, para a maternidade, para a domesticidade. Não tínhamos direito a crédito, não podíamos trabalhar sem autorização do pai ou do marido, não tínhamos meios contraceptivos seguros, tampouco o direito à interrupção voluntária da gravidez. Caberia a minha geração de mulheres conquistar novos espaços de atuação, uma conquista ainda não de todo consolidada e para a qual venho militando há mais de quatro décadas.



Com minha mãe e minha irmã no meu batizado
1948


À bem da verdade, como filha de uma família das chamadas ‘camadas médias urbanas’, enfrentei menos dragões do que outras mulheres de minha geração para abrir esses caminhos.   Meu pai, Izalco Sardenberg Junior, era funcionário do Banco do Brasil, e minha mãe, Maria Candida Bacellar Sardenberg, então ‘dona de casa’, ambos filhos de funcionários do Banco do Brasil – um gerente (Ruy Dantas Bacellar, meu avô materno) e outro subgerente (Izalco Sardenberg, meu avô paterno), da agência centro do Banco em São Paulo. Contudo, de ambos os lados, as famílias tinham origens bem mais humildes.
Do lado paterno, meus antepassados eram imigrantes que vieram do condado de Valais, Suíça, chegando ao Brasil em 1819, no navio Heureux Voyage. Eles integraram a primeira leva de colonos suíços trazidos para cá a convite de D. João VI, fundando, em tempo, as cidades de Macaé e Nova Friburgo no Estado do Rio de Janeiro e Casimiro de Abreu, no Espírito Santo.



Bodas de Ouro de meus avós paternos,
Izalco Sardenberg e Leomenia Pereira Sardenberg
janeiro, 1970



 Jean-Laurent Sottenberg (traduzido para ‘Sardenberg’ no Brasil), bisavô de meu avô Izalco, era um dos poucos letrados dentre esses imigrantes. Pouco afeito ao trabalho na roça, conseguiu colocação na Biblioteca de D. Pedro I no Rio de Janeiro, levando para lá sua esposa, Marie Françoise Cretton, de apenas dezesseis anos, que dera a luz a um filho na mesma época em que nascera D. Pedro II.  Não se sabe como, nem por que, Marie Françoise, bisavó de meu avô, foi escolhida para ser a nutriz de D. Pedro II. Foi assim que seu filho veio a chamar-se Pedro D´Alcântara Sardenberg, sendo agraciado com uma Bolsa do Império para cursar direito em São Paulo e, posteriormente, ser nomeado Secretário da Educação de Mato Grosso.[2] Seu neto mais velho, Olyntho, meu bisavô, fez carreira militar, morrendo cedo na vida de complicações cardiovasculares. Como filho mais velho, meu avô Izalco viu-se obrigado a ir trabalhar para ajudar a mãe a criar os irmãos, conseguindo colocação no Banco do Brasil, mas direcionando todos seus irmãos homens para carreiras militares.[3]
Do lado da família de minha mãe, também algumas carreiras militares e de bancários se destacaram. Consta que dois irmãos Bacellar migraram de Portugal no século XIX e aportaram na Bahia; um foi para o Maranhão, enquanto o outro se estabeleceu em terras baianas, na região de Entre Rios e Inhambupe.  Um de seus netos, meu bisavô Elizeu Dantas Bacellar, alistou-se no Exército e foi para o sul lutar na Guerra do Paraguai, levando consigo um violão e uma espada de prata que, até hoje, circulam pela família.[4] Por seu desempenho na guerra, foi agraciado com o mérito de Cavaleiro da Imperial Ordem da Rosa – medalha que por muito tempo decorou uma caixinha dourada na mesinha de sala da casa de meus avós.[5]







Depois de dar baixa no Exército, meu bisavô Elizeu tornou-se “Solicitador da República” (uma espécie de advogado – ou rábula), casando-se no Rio de Janeiro com Maria Candida da Rocha Bacellar. Ela era descendente de negros, mas fora criada como filha por família de classe média, sendo treinada como professora de línguas. Em uma época em que poucas mulheres sabiam ler e escrever, principalmente as mulheres negras, minha bisavó Maria Candida fundou e dirigiu uma escola em Limeira, no interior do Estado de São Paulo. Com a morte de meu bisavô, ela foi obrigada a fechar a escola, vez que, à época, era vedado às mulheres serem oficialmente donas de escola. Ela morreu poucos anos depois, deixando órfão meu avô Ruy, caçula da família, ainda adolescente (14 anos). Ele passou a viver um pouco aqui, um pouco ali, com cada um de seus irmãos mais velhos. Estudou engenharia na Escola Politécnica de São Paulo, mas, por falta de recursos para continuar os estudos, acabou optando, como meu outro avô, Izalco, por também trabalhar no Banco do Brasil.[1]




Minha mãe (a bebezinha) com seus pais e avós do lado materno, 
bisavô Francisco Gonçalves Neto e bisavó Cândida Augusta Ribeiro Gonçalves

Na verdade, salvo o bisavô paterno de minha avó materna, o armador português Manoel Baltazar da Cunha Fortes, que veio para o Brasil com a família real em 1808, tornando-se, em tempo, dono de grandes armazéns e do Casarão do Porto, em Ubatuba, hoje um museu[2], nos demais ramos das minhas famílias materna e paterna não existiu nenhum grande industrial, nenhum grande proprietário de terras, ninguém, por assim dizer, com bens de ‘raiz’. Ao contrário, foram todos integrantes de camadas da pequena burguesia, seja como profissionais liberais (dentistas, farmacêuticos, médicos, engenheiros, advogados), ou trabalhando como comerciantes, militares, bancários, professores e professoras.[3] Aliás, são dignas de nota as professoras nas gerações que me precederam, principalmente pela linha materna: minha bisavó, Maria Candida (avó paterna de minha mãe), minha avó materna, Noemia Gonçalves Bacellar, formada pela então Escola Normal da Praça, mais tarde Colégio Estadual Caetano de Campos, em São Paulo






Minha mãe, Maria Candida Dantas Bacellar


Minha mãe chegou a lecionar por algum tempo, mas, à época do meu nascimento, como bem cabia então às jovens senhoras das camadas médias, já se dedicava apenas às ‘prendas do lar’. À bem da verdade, minha família vivia então de forma modesta, dependendo apenas do ordenado do meu pai como bancário, residindo primeiro em um pequeno apartamento na Rua Dona Hipólita, no Jardim Paulistano e, depois, em uma casa de vila na Rua dos Pinheiros: meus pais, Sonia Maria, minha irmã mais velha, hoje funcionária aposentada do Banco do Brasil, e eu. Meu irmão caçula, Walterson - carinhosamente chamado de ‘Pitico’ ou apenas ‘Piti’ pela família e hoje um conceituado jornalista, conhecido por todos como ‘Berg’-  só viria ao mundo nove anos mais tarde. Já residíamos, então, em uma casa maior na Alameda Ministro Rocha Azevedo, presente do meu avô ao filho.


Com minha irmã Sonia






Com meu Piti, o "Berg" 


 [2] Consta também que Jean Laurent recebeu do Imperador 400 hectares de terras num local chamado Casimiro de Abreu, que permanece nas mãos da Família Sardenberg (CARRON: CARRON, 1986).  Veja-se, também, NICOULIN (1995); BON (1994); SANGLARD (2003).
[3] De acordo com o relato de Fernando Pinheiro em seu blog, meu avô paterno, Izalco Sardenberg, foi empossado no Banco do Brasil em 1918, aposentando-se em 1948 (ano em que nasci), quando era Contador da Agência de São Paulo, capital, época em que meu avô materno, Ruy Dantas Bacellar, era o Gerente. Veja-se: http://fernandopinheiroescritor.blogspot.com.br/2013/01/spaulo-galante-vii.html
[6] Sobre a carreira de Ruy Dantas Bacellar no Banco do Brasil, veja-se: http://fernandopinheiroescritor.blogspot.com.br/2013/01/spaulo-galante-v.html
[7] Sobre o ‘Sobradão do Porto’, onde cresceu minha avó materna, veja-se: http://fundart.com.br/dt_portfolio/sobradao-do-porto/
[8] O único ramo “paulista quatrocentão” da família parece ter vindo do lado materno, da avó materna de minha mãe, minha bisavó Cândida Augusta (Martins Ferreira) Ribeiro Gonçalves, cuja família tinha longas raízes em Bragança. A genealogia desse ramo da família consta em um livreto publicado em 1945, pela Indústria Gráfica Siqueira, de São Paulo, sob o título Os Martins Ferreira e os Ribeiro de Bragança, no qual não consta a autoria. Meus pais e minha irmã são citados na página 54; mas nem eu, nem meu irmão éramos nascidos na época de publicação dessa genealogia.

[1] Sobre a carreira de Ruy Dantas Bacellar no Banco do Brasil, veja-se: http://fernandopinheiroescritor.blogspot.com.br/2013/01/spaulo-galante-v.html
[2] Sobre o ‘Sobradão do Porto’, onde cresceu minha avó materna, veja-se: http://fundart.com.br/dt_portfolio/sobradao-do-porto/

[3] O único ramo “paulista quatrocentão” da família parece ter vindo do lado materno, da avó materna de minha mãe, minha bisavó Cândida Augusta (Martins Ferreira) Ribeiro Gonçalves, cuja família tinha longas raízes em Bragança. A genealogia desse ramo da família consta em um livreto publicado em 1945, pela Indústria Gráfica Siqueira, de São Paulo, sob o título Os Martins Ferreira e os Ribeiro de Bragança, no qual não consta a autoria. Meus pais e minha irmã são citados na página 54; mas nem eu, nem meu irmão éramos nascidos na época de publicação dessa genealogia.






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