1.2.6 Enfim: Bacharelado em
Antropologia na Illinois State University, ISU (1974-1977)
Em 1974, quando meu marido se formou e foi
trabalhar para a General Telephone of Illinois, nos mudamos para a região de
Bloomington-Normal, cidades gêmeas na área central do estado de Illinois. Foi
uma escolha feita a dois, para possibilitar o meu retorno aos estudos em tempo
integral. Decidida a voltar a estudar, mas ainda sem meios de custeio para meus
estudos, me inscrevi na seleção para trabalhar como civil servant (funcionária pública) na Illinois State
University-ISU, em Normal, Illinois, sendo aprovada e assumindo o posto de
assistente administrativa no Purchasing
Office (Setor de Compras). Isso me permitiu usufruir de uma bolsa parcial
para funcionários, com a possibilidade de cursar até duas disciplinas por
semestre, ‘de graça’. Contudo,
trabalhando tempo integral, estava limitada a escolha de disciplinas oferecidas
no horário noturno, mas consegui, junto aos meus supervisores diretos – que
incentivavam a qualificação dos funcionários -, a autorização necessária para
fazer disciplinas no meu horário de almoço e trabalhar até mais tarde, de sorte
a pagar o tempo extra necessário para assistir as aulas. (Talvez, ao lerem esse
meu memorial, meus alunos possam então compreender porque fico bastante
enervada quando vejo gente perdendo disciplinas por excesso de faltas...).
Naquele meu primeiro ano na ISU, consegui
cursar quatro disciplinas do ciclo básico,[1] bem como ganhar créditos por meio de exames
de proficiência em Sociologia I, Geografia Mundial e Psicologia Geral.[2] No verão de 1975, um semestre acadêmico
compacto na ISU, me matriculei finalmente em uma disciplina do Departamento de
Antropologia: Estudo Independente, a ser desenvolvido sob a orientação do Prof.
Jonathan Reyman, um arqueólogo que frequentava bastante nosso escritório por
conta de um projeto de pesquisa que coordenava.
No Quad da ISU - 1974
Meu estudo nessa disciplina se voltou para um levantamento sobre povos nativos da América Latina, que teve como produto final meu primeiro trabalho no campo da Antropologia: “Ecological Factors in the Collapse of Classic Mayan Civilization: A Re-Examination” (Fatores Ecológicos no Colapso da Civilização Maia Clássica: Um Re-exame) (SARDENBERG, 1976a). Escrito a partir de uma perspectiva da ecologia humana, o trabalho procurou examinar, com o apoio da bibliografia então disponível, qual o possível peso dos fatores ambientais e do meio de sobrevivência dos antigos Maias, como causas do colapso dessa civilização. Sem dúvida, foi um trabalho um tanto ambicioso para uma iniciante, mas me dediquei com grande afinco a esse estudo, que mereci o conceito “A”. E fiquei tão apaixonada pelas civilizações da Meso-América fazendo esse levantamento, que consegui angariar recursos, datilografando trabalhos para meus colegas da ISU, para passar o recesso de fim de ano, Natal e Ano Novo, viajando com minha amiga e colega, Deborah Donnellan, pelo México e visitando, em especial, zonas arqueológicas na região de Oaxaca.
Pirâmide do Sol, Teotihuacan, Mx
1975
Devo ressaltar que, a essa época, eu já havia conseguido me tornar aluna de tempo integral de Antropologia na ISU, tendo sido agraciada com uma bolsa de estudos concedida pela Illinois State Scholarship Commission (ISSC), que custeou minhas taxas de matrícula por quatro semestres, ou seja, de setembro, de 1975, até minha formatura, em maio de 1977.[3] Destarte, no segundo semestre de 1975, foi possível me matricular em sete (07) disciplinas, inclusive no Seminário sobre Mulheres na Atualidade, minha primeira disciplina em Estudos sobre Mulheres (quando li, pela primeira vez, “A Mística Feminina’, de Betty Friedan, “A Dialética do Sexo”, de Shulamith Firestone, e “Sisterhood is Powerful”, de Robin Morgan). Cursei também disciplinas no Departamento de Antropologia: Princípios de Arqueologia, com o Prof. Edward Jelks, Etnografia e Ecologia Humana, com o Prof. Robert Dirks, e Evolução Humana, com o Prof. Martin Nickels, obtendo o conceito A em todas as disciplinas e uma GPA (média geral) de 4.0/4.0! Mas nesse semestre, só elaborei um trabalho que merecesse ser aqui citado, a saber: “Early Humans in South America, A Critical Review” (Primeiros Seres Humanos na América do Sul, Uma Revisão Crítica), elaborado para a disciplina Evolução Humana, trabalho esse em que procurei dar continuidade ao elaborado no estudo independente sobre povos da América Latina.[4]
Cursar essas disciplinas como aluna de tempo
integral, regularmente matriculada, trouxe importantes mudanças. É lógico que a
mais importante foi ter tempo suficiente para me dedicar aos estudos. Mas houve
uma virada no sentido de me fazer sentir, mais uma vez, como uma outsider within. Explicando melhor:
enquanto eu estudava de noite, tinha colegas que, como eu, eram mais velhos que
a média dos estudantes universitários, muitos eram casados e trabalhavam
durante o dia. Já como aluna de tempo integral, meus colegas eram na maior
parte jovens, solteiros, sem outras responsabilidades e com experiência
limitada à escola secundária.
Aos poucos, fui me identificando com pessoas
mais velhas que, como eu, voltavam a estudar: mulheres que, devido a casamento
ou filhos, haviam abandonado a faculdade e voltavam agora determinadas a se
formar, pessoas aposentadas que queriam também uma nova chance e, como era
típico para a época em questão, um número ainda maior de rapazes, veteranos de
guerra que, tal qual meu marido, usufruíam das benesses da GI Bill. Acabei me
tornando parte de um grupo de colegas que se encaixava nesse perfil, como no
caso de Debby Donnellan, minha amiga até hoje!
Com Debby Donnellan na aula de Brett Williams no Quad da ISU
1976
Havia também no campus, muitas mulheres, professoras e estudantes, que se
identificavam com os ideais feministas. Cheguei a fazer parte do grupo de
mulheres articuladoras da criação da
“Students’ Association for Women-SAW”, a primeira organização estudantil
para mulheres da ISU. Esse grupo participou da organização do “Alice Doesn’t Day” em
Bloomington-Normal, que teve lugar em 29 de outubro de 1975, no Campus da ISU,
quando se realizou, no país todo, uma ‘greve de três horas’ por parte das
mulheres, para protestar contra nossa marginalização no mercado de trabalho.
Deixando de cumprir as tarefas que nos eram alocadas durante o período de
‘greve’, nos propúnhamos a demonstrar a importância do trabalho feminino na
sociedade.[5]
Participamos, também, de ações na
Assembleia Legislativa de Illinois, em Springfield, para pressionar os
deputados do estado a aprovarem o “Equal Rights Ammendment- ERA”, que incluía o
princípio da igualdade entre os sexos, não comtemplada até hoje na Constituição
Norte-Americana (isso implica dizer que, meu bracelete da campanha do ERA ainda
continua válido!).
O ano de 1976 se iniciou com algumas
importantes mudanças em minha vida. Por certo, a maior foi minha separação do
meu marido e minha mudança para a sede da sorority
Phi Beta Pi (um tipo de ‘república feminina’), onde fui trabalhar como Housemother, ou seja, como supervisora.
Eu dispunha de um pequeno apartamento de sala, pequena cozinha, quarto e
banheiro dentro da residência, mas convivia de perto com as jovens (cerca de
30) que ali residiam, fazendo minhas refeições com elas e dando-lhes
assistência nas inúmeras pequenas crises que ali aconteciam. Era um trabalho um
tanto desgastante, por eu ter que ‘estar no ar’ 24 horas por dia, mas além de
não pagar aluguel, nem pelas refeições, eu ainda recebia um pequeno salário,
crucial para a minha manutenção. Outra vantagem era a proximidade da
Universidade – na verdade, ficava quase dentro do campus da ISU - o que me permitia ganhar tempo e economizar
no transporte.
Mas talvez o maior fringe benefit ou bônus desse trabalho como supervisora foi ter a oportunidade de desenvolver uma ‘observação sistemática’ ou mesmo ‘participante’ da vida universitária do ‘Midwest’ dos Estados Unidos nos anos 1970, na situação de uma ‘forasteira dentro’. Passei então a redigir um ‘diário de campo’ da minha vivência na sorority, comentando minhas observações com minha colega e amiga, Debborah Donnellan. Pareceu-nos importante pensar as sororities como um tipo de ‘instituição total’ voluntária, tal qual conventos, escrevendo um trabalho juntas sob o título, “A Different Kind of Nunnery” (SARDENBERG; DONNELLAN, 1977), que foi publicado em uma coletânea organizada por Rob Gordon e Brett Williams sobre ‘instituições totais’, em homenagem a Erving Goffmann.[6] Nesse trabalho, argumentamos que instituições totais voluntárias, dessa ordem, só se mantinham em pé criando um clima de família e uma linguagem de parentesco fictício, de sorte que as colegas se tornavam ‘irmãs’, havia a figura da ‘housemother’, as ex-alunas eram ‘madrinhas’. Esse nosso argumento serviu para uma tipificação das instituições totais tal qual esboçado por Christie Davies (1989) anos depois.
"Sorority house" estudada
Mas talvez o maior fringe benefit ou bônus desse trabalho como supervisora foi ter a oportunidade de desenvolver uma ‘observação sistemática’ ou mesmo ‘participante’ da vida universitária do ‘Midwest’ dos Estados Unidos nos anos 1970, na situação de uma ‘forasteira dentro’. Passei então a redigir um ‘diário de campo’ da minha vivência na sorority, comentando minhas observações com minha colega e amiga, Debborah Donnellan. Pareceu-nos importante pensar as sororities como um tipo de ‘instituição total’ voluntária, tal qual conventos, escrevendo um trabalho juntas sob o título, “A Different Kind of Nunnery” (SARDENBERG; DONNELLAN, 1977), que foi publicado em uma coletânea organizada por Rob Gordon e Brett Williams sobre ‘instituições totais’, em homenagem a Erving Goffmann.[6] Nesse trabalho, argumentamos que instituições totais voluntárias, dessa ordem, só se mantinham em pé criando um clima de família e uma linguagem de parentesco fictício, de sorte que as colegas se tornavam ‘irmãs’, havia a figura da ‘housemother’, as ex-alunas eram ‘madrinhas’. Esse nosso argumento serviu para uma tipificação das instituições totais tal qual esboçado por Christie Davies (1989) anos depois.
No início de 1976, também fiz parte de um
grupo de alunos que criou a organização estudantil Friends of Anthropology, contando com o apoio do corpo docente do Departamento
de Antropologia da ISU e de suas famílias. Eles e elas marcaram presença
inclusive no nosso time de softball
(um basebol mais suave), além de contribuírem para a confecção de camisetas
para o nosso time, que estampavam um mapa genealógico como logomarca da
“Friends”.[7]
Eleita presidente dessa organização, tive o imenso prazer de passar um dia
inteiro, em Abril de 1976, ciceroneando a Profa. Dra. Margaret Mead, por
ocasião de sua visita à ISU. Isso incluiu ir busca-la em outra universidade
localizada a cerca de 80 km de Normal, o que me proporcionou tempo só com ela,
mas no qual ela dominou a conversa, perguntando sobre minha vida e comentando
sobre o Brasil, tema sobre o qual ela parecia estar muito bem informada! Guardo
até hoje minha cópia de Coming of Age in
Samoa com dedicatória e assinatura dela para mim...[8]
Embora minha área de concentração se voltasse para a Antropologia Sociocultural, na ISU, tal como na SIUE, a formação em antropologia seguia (e, creio eu, ainda segue) uma abordagem de ênfase nos quatro subcampos da disciplina (antropologia sociocultural, biológica, arqueologia e linguística antropológica). Seguindo essas diretrizes, cursei Comportamento dos Primatas (Prof. Martin Nickels), Pré-História do Velho Mundo (Prof. Edward Jelks), Linguagem e Cultura (Profa. Brett Williams) e Conceitos Chave na Antropologia (Prof. Robert Dirks), além de Política dos Países em Desenvolvimento, com o Prof. Joel Verner, do Departamento de Ciência Política. Creio que essa formação mais generalista me forneceu um esteio bastante sólido para os estudos antropológicos, ainda que deixando a desejar no que concerne a um embasamento filosófico mais aprofundado.
Embora minha área de concentração se voltasse para a Antropologia Sociocultural, na ISU, tal como na SIUE, a formação em antropologia seguia (e, creio eu, ainda segue) uma abordagem de ênfase nos quatro subcampos da disciplina (antropologia sociocultural, biológica, arqueologia e linguística antropológica). Seguindo essas diretrizes, cursei Comportamento dos Primatas (Prof. Martin Nickels), Pré-História do Velho Mundo (Prof. Edward Jelks), Linguagem e Cultura (Profa. Brett Williams) e Conceitos Chave na Antropologia (Prof. Robert Dirks), além de Política dos Países em Desenvolvimento, com o Prof. Joel Verner, do Departamento de Ciência Política. Creio que essa formação mais generalista me forneceu um esteio bastante sólido para os estudos antropológicos, ainda que deixando a desejar no que concerne a um embasamento filosófico mais aprofundado.
Nesse primeiro semestre de 1976, meu
principal trabalho foi elaborado para a disciplina de Ciência Política.
Intitulado “The Fight is On, Brazil, a Revolution in the Making”, esse trabalho
de mais de 30 páginas teve como objetivo analisar as condições socioeconômicas
e políticas no Brasil em termos de pré-condições para o deslanchar de uma
‘revolução’. Para escrevê-lo, li Carlos Marighela (Pela Libertação do Brasil), Regis Debray (Revolução na Revolução), Márcio Moreira Alves (Um Grão de Mostarda), e João Quartim (Ditadura e Luta Armada no Brasil), autores e livros proibidos no
Brasil na época, dentre outros. Hoje considero o trabalho bastante sofrível em
termos teóricos – fiz uso de uma abordagem funcionalista e ainda por cima, nada
sofisticada -, mas elaborei uma análise apaixonada sobre o que acontecia no
país então, visto por alguém que estava longe e sedenta por mudanças. Creio
mesmo que foi meu trabalho de expiação por ter saído do Brasil sem me engajar
nas lutas contra a ditadura.[9]
Voltar a esse trabalho neste momento atual em que nossas liberdades – o Estado
de Direito - no país encontram-se novamente ameaçadas, tem me causado profundos
pesadelos...
No barco de pesca em Provincetown
1976
O primeiro semestre de 1976, além de ser
enriquecedor em termos das disciplinas cursadas, abriu novos espaços de atuação
para mim. Um dos principais fatores nessa direção foi minha participação na
Conferência da Central States
Antropological Association, que teve lugar em St. Louis, Missouri, quando,
por intermédio da Profa. Dra. Brett Williams, vim a conhecer a Profa. Dra. M.
Estellie Smith, da State University of New York (SUNY-Oswego), que se tornaria
minha principal tutora no trabalho de campo. Filha de uma portuguesa da Ilha da
Madeira que fora criada na cidadezinha de Provincetown, Massachusetts, a Dra.
Smith vinha trabalhando há anos com populações de origem luso-fônica na Costa
da Nova Inglaterra, planejando passar o verão naquela cidadezinha, pesquisando
as cooperativas de pescadores de lá, que eram, em sua maioria, de origem
portuguesa. Ela não falava português e me convidou para trabalhar como sua
assistente de campo – convite imediatamente aceito!
Foi assim que passei quase três meses em Provincetown trabalhando com a comunidade luso-fônica local, aprendendo a fazer trabalho de campo com a Dra. Smith. Essa experiência foi muito enriquecedora em muitas aspectos, dando origem, inclusive, a três trabalhos: a)“Provincetown: a summer’s view” (SARDENBERG, 1976), elaborado como relatório de estudo independente, b) “Ethnicity in Provincetown” (SARDENBERG, 1977a), elaborado como trabalho final da disciplina Antropologia Política e apresentado e aprovado para apresentação na Reunião da Northeastern States Anthropological Societies e, mas recentemente, a c)“Revisitando o Campo: Autocrítica de uma antropóloga feminista,” (SARDENBERG, 2014) publicado na Revista Mora, na Argentina, no qual faço uma revisita crítica a três momentos e contextos distintos no qual desenvolvi trabalho de campo, mostrando como a intersecção de vários marcadores sociais nos constroem enquanto diferentes personnas no campo.[10]
Minha Prof., Estellie Smith
Foi assim que passei quase três meses em Provincetown trabalhando com a comunidade luso-fônica local, aprendendo a fazer trabalho de campo com a Dra. Smith. Essa experiência foi muito enriquecedora em muitas aspectos, dando origem, inclusive, a três trabalhos: a)“Provincetown: a summer’s view” (SARDENBERG, 1976), elaborado como relatório de estudo independente, b) “Ethnicity in Provincetown” (SARDENBERG, 1977a), elaborado como trabalho final da disciplina Antropologia Política e apresentado e aprovado para apresentação na Reunião da Northeastern States Anthropological Societies e, mas recentemente, a c)“Revisitando o Campo: Autocrítica de uma antropóloga feminista,” (SARDENBERG, 2014) publicado na Revista Mora, na Argentina, no qual faço uma revisita crítica a três momentos e contextos distintos no qual desenvolvi trabalho de campo, mostrando como a intersecção de vários marcadores sociais nos constroem enquanto diferentes personnas no campo.[10]
No ano de 1976 se comemorou o “Bicentennial”,
ou seja, o II Centenário da Independência dos Estados Unidos de sua situação
anterior de colônia inglesa. Milhares de eventos tiveram lugar por todo o país
naquele ano, bem como a atuação de movimentos sociais distintos, principalmente
dos povos nativos norte-americanos, que entendiam esse bicentenário como
representando “200 anos de dominação.” Um desses importantes movimentos foi o
White Roots of Peace, movimento liderado pelos Mohawks, uma das nações dos
Iroqueses, estudados por Louis Henry Morgan. Durante o ano do bicentenário,
lideranças Mohawk viajaram pelos quatro cantos do país, visitando universidades
para falar do seu movimento, um desses grupos chegando à ISU e arregimentando
uma dezena de estudantes para segui-los!
Com Brett Williams,
a postos para seguir para Washington, D.C., 1976
Juro que fiquei bastante tocada, tentada até, com tudo isso. Mas já havia me comprometido com a Dra. Smith para o trabalho de campo com os portugueses em Provincetown, onde passaria o verão, além da promessa de ajudar minha professora e amiga, Brett Williams, a dirigir seu caminhão U-Haul (que experiência!!!) de mudança até Washignton, D.C., de onde seguiria para Boston e de lá até Provincetown.
Com Brett e amigos do Depto. de Antropologia da ISU
Ademais, por conta do Bicentenário, estava
acontecendo uma grande ‘feira das nações’ em Washington, D.C., onde comunidades
de imigrantes das várias nacionalidades que constituem a população
norte-americana estavam reunidas no “Folklife Festival”, promovendo
comemorações étnicas. Eu queria participar dos eventos promovidos pelos
portugueses, em preparação para o meu trabalho de campo.[11]
Por certo, valeu a pena ir! Em particular, foi bastante interessante observar a
revivescência da consciência étnica nas terceiras gerações de imigrantes ali
presentes, incentivando meu interesse em questões de ‘etnicidade’.
No meu retorno do trabalho de campo em
Provincetown, passei a trabalhar como Monitora (‘Undergraduate Teaching
Assistant-UTA’) na disciplina ‘Introdução à Antropologia’ sob a coordenação do
Prof. Dr. Robert Dirks, função que ocupei por dois semestres seguidos (setembro
de 1976 a maio de 1977). Eram turmas de cerca de 100 alunos/as, estando eu
encarregada de preparar e corrigir provas, auxiliar estudantes no uso da Human
Relations Area Files (muito importante antes da existência da internet) e de
fazer uma conferência-aula por semestre, escolhendo, para tanto, falar sobre
Evolução Humana, sob o título “The Scheletons in our closet” (SARDENBERG,
1978).[12]
Nesse mesmo semestre, além de disciplinas do
currículo básico e do Estudo Independente desenvolvido em Provincetown, cursei ainda Antropologia
Política com o Prof. Dirks, para quem escrevi o trabalho baseado no estudo em
Provincetown (SARDENBERG, 1977a), aceito para apresentação no Encontro da
Northeastern Anthropological Society, e a disciplina, Pesquisa em Estudos sobre
Mulheres, uma das primeiras disciplinas sobre pesquisa feminista oferecidas nas
universidades americanas. Foi para essa disciplina que comecei a escrever um
trabalho sobre epistemologia, só concluído há poucos anos, trabalho esse que
considero uma das minhas principais contribuições aos estudos feministas no
Brasil (SARDENBERG, 2002).[13]
No final de 1976, tive ainda a oportunidade
de participar como student assistant
da reunião anual da American Anthropological Association, realizada em
Washington, D.C., ocasião em que um simpósio sobre sociobiologia, com a
participação de Earl Wilson, um de seus mais ferrenhos defensores, atraiu um
grande público, eu inclusive, mas ao lado dos seus críticos! Por certo, para
nós, antropólogos e antropólogas, sobretudo para nós feministas e
antirracistas, essa crítica se tornava fundamental, haja vista a proposta central
de Wilson (1975): o biológico como determinante das interações humanas,
fundamentando-se na suposta tendência evolucionária de genótipos individuais
maximizarem seu sucesso reprodutivo. Daí porque a ‘Nova Síntese’, proposta por
aquele mesmo autor, no sentido das humanidades e ciências sociais serem
incorporadas na Biologia Evolucionária! A defesa de Marshall Sahlins (1976) da
relevância da ‘cultura’ sobre a biologia e, assim, da Antropologia enquanto
disciplina, foi então – como em anos mais recentes também (veja-se SAHLINS,
2004) – uma ‘tábua de salvação’ para sairmos daquele mar essencialista de
determinismo biológico![14]
Esse debate ainda estava quente no primeiro
semestre de 1977, meu último semestre na ISU, esquentando as aulas da
disciplina “Adaptações Afro-Americanas” (Afro-American Adaptations) ministradas
pelo Prof. Robert Dirks, quando denunciávamos a defesa implícita do racismo
pela socio-biologia. Nesse semestre, dentro outras disciplinas, cursei Métodos de Pesquisa na Antropologia,
escrevendo para esta última disciplina meu melhor trabalho do semestre,
“Truck-Stop Behaviour” (SARDENBERG, 1977b), um trabalho baseado em pesquisa
sobre as interações entre caminhoneiros e garçonetes em restaurantes de
beira-de-estrada, voltados para os motoristas de caminhão. Pensada como uma
pesquisa mais aprofundada, ela acabou se baseando, em grande medida, apenas em
observações sistemáticas. O trabalho expressa toda essa frustração da
pesquisadora que não conseguiu fazer sua pesquisa, avaliando, porém, o quanto se
pode aprender apenas com o “olhar”, tal qual nos ensina Roberto Cardoso de
Oliveira (2000) em “O trabalho do antropólogo”.[15]
Apesar
de meus tropeços no início do curso de graduação, com interrupções e mudanças
de universidades, consegui, finalmente, concluir meu curso, me formando com High Honors.[16]
Fui indicada, duas vezes, para a premiação do ‘Bone Scholar Award’, tendo
eu recebido menção honrosa, como também para uma Danforth Fellowship para a
qual cheguei a ser finalista, não podendo afinal ser agraciada por não ter
cidadania americana.[17]
Creio que devo tudo isso aos professores e professoras maravilhosas da ISU, que
me levaram a amar a antropologia com sua maneira amiga, não pretenciosa e
apaixonada de ensinar, me convidando a aprender. Por tudo isso, sou agradecida
aos Professores Robert Dirks, Martin Nickels, Brett Williams e, muito
especialmente, ao Professor Edward Jelks e sua esposa, Judy Jelks, um casal
maravilhoso que sempre teve as portas abertas para nós, a turma de antropologia
da ISU de 1977.[18]
De
fato, nossa turma de formandos/as da Antropologia optou por fazer uma cerimônia
de formatura bem informal, indo depois para a casa dos Jelks para um “cook out”
bem ao estilo americano do Midwest: hamburgers, hot-dogs e milho regados a
muita Budweiser! Ao cair da tarde, sentamo-nos ao redor do Professor Jelks que,
com seu violão, nos brindou com cantigas picantes, muitas provavelmente de sua
própria autoria!
Em 1986, voltei a visita-los, desta feita com meus filhos, Marina e João, ainda pequenos. Mais uma vez, Judy e Ed Jelks abriram suas portas para mim, fazendo um ‘cook out’ de boas vindas, com a presença dos Profs. Martin Nickels e Robert Dirks e suas famílias. Isso há 30 anos e as saudades e carinho por eles não se esmaeceram... Ainda me correspondo vez por outra com o Rob Dirks e com Brett Williams. E pretendo visitar os Jelks no final do ano, quando voltarei a Illinois para as comemorações dos 50 anos de minha formatura do curso secundário na St. Teresa High School, Decatur.
Prof. Nickells e Prof. Ed Jelks, 1976 Prof. Rob Dirks
Meus filhos, Marina e João (fora da piscina) , com os filhos do Prof. Nickels
na casa dos Jelks, 1986
Em 1986, voltei a visita-los, desta feita com meus filhos, Marina e João, ainda pequenos. Mais uma vez, Judy e Ed Jelks abriram suas portas para mim, fazendo um ‘cook out’ de boas vindas, com a presença dos Profs. Martin Nickels e Robert Dirks e suas famílias. Isso há 30 anos e as saudades e carinho por eles não se esmaeceram... Ainda me correspondo vez por outra com o Rob Dirks e com Brett Williams. E pretendo visitar os Jelks no final do ano, quando voltarei a Illinois para as comemorações dos 50 anos de minha formatura do curso secundário na St. Teresa High School, Decatur.
Prof. Nickells e Prof. Ed Jelks, 1976 Prof. Rob Dirks
[2] Essas informações
estão contidas no Histórico Escolar (transcript) da Illinois State University,
comprovante de No.
[3] Comprovante No. 06
[4] Comprovante No.
07
[6] Comprovante No.08
[7] Ainda
funcionando em 1986 http://www.mocavo.com/New-Student-Record-Illinois-State-University-1986-Volume-1986/239111/12
[8] Comprovante No.09
[9] Comprovante No. 10
[10] Comprovante No. 11
[12] Veja-se
comprovante no. 12
[13] Veja-se
comprovante no. 13
[14] Uma excelente
discussão sobre a crítica feminista à Sociobiologia encontra-se no livro de
Susan Hekman (1990), Gender and Knowledge:
Elements of a Post-Modern Feminism.
[15] Veja-se
comprovante no.14
[16] Veja-se
comprovante no. 15
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